SONORO CALADO

Por: Diogo Verri Garcia

SONORO CALADO

Vejo quatro cordas,
Quase mortas,
Que não tocam,
Que não falam
Quase nada.
Nem um som, nem uma nota solta,
Ou um semitom.

Tem traços de ferrugem,
Marcas de dedos pelos braços,
Uma boca que não tem lábios,
Um corpo que não dá abraços.
A mão fria, sem calos.
Mas que sente afeto; tem laços.

Segue ali calado,
Sem murmuro, pendurado.
No calor, não se senta ao vento;
No inverno, não pede vinho.
É calmo, nunca bravio.
É sozinho…

Esticado, desafinando.
Ao longo tempo passando; empoeirando,
Sem força, sem nota,
Sem vida.
Envergado em solidão,
Transforma todo tom em bemol.
Mas na claridade, faz as pazes, e ainda toca o sol.

(Diogo Verri Garcia, Rio, 09/08/2018)


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VINTE E SEIS

Por: Diogo Verri Garcia

VINTE E SEIS

Tem vezes que o amor arrepia
E depois que nos contagia, ele vai, e nos deixa saudade.
Tem vezes que os olhos serenos esbugalham,
Deixam de ser amenos,
Tamanha a sinceridade.
Tem vezes que a dúvida é maior que a tristeza,
Por não entender o motivo
De não haver alternativa.
Tem horas que o barulho do mar
Se cala ao contemplar no beijo a iniciativa.

Quem pensa que o sol já se pôs,
Depois que a tarde cai,
Para amanhã retornar.
Lamenta que deixa saudade
Bem saber que, na verdade, se despede a lamentar.

Diga para ela por que você foi a razão de tão feliz acaso,
Que ela diz a você, com os olhos em lágrimas,
Ao se despedir dos teus braços.
Ou nada diga e vivam pelo menos o momento em que se conheciam
Enquanto homem e mulher: perceber o que é, e o tudo o que seria…

Tenso, o tempo corrói, a tarde se esvai, a noite vem.
É hora de retornar, sair de perto do mar, esquecer o seu bem.

(Diogo Verri Garcia – Rio de Janeiro, 08/08/2018)


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Fora de si

Por: Bia Latini

Fora de si

Quem sou eu, quando não estou sendo eu, quando estou sendo alguém diferente de mim?

Quem sou eu apenas do lado de fora, abafando por completo o lado de dentro, para caber do lado de fora?

Quem sou eu, do meu próprio tamanho, nem me alargando demais, nem me esticando demais, nem me apequenando, afunilando, me invisibilizando?

Quem sou eu, antes de vir ao mundo, antes de ganhar um puto, antes de ir para a escola, antes de querer receber todo adestrado “amor” não-amor dos meus pais?
Quem sou eu, quando, ávida, quero sempre mais?

Quem sou eu, quando me comparo, quando não aparo meus talentos, meus pontos fora da curva, quando permaneço em visão turva?

Quem sou eu quando tento, mas não consigo, quando consigo, mas não tento, quando percebo o quanto estou disposto a tentar?

Quem sou eu sem me acariciar, acariciando o outro do lado de lá, chicoteando a minha história, atritando a minha memória?

Quem sou eu não abraçando minhas raízes, querendo camuflar com outras matizes, distoantes dos tons terrosos da minha matriz?

Quem sou eu quando coloco meu valor e condiciono minha existência ao crivo alheio, à impressão dos diplomas, à obtenção de títulos, à exterminação dos mosquitos?

Siimmmm! Pois isso é sobre matar mosquitos….

Quem sou eu sem me possibilitar?

Por Bia Latini


Créditos da imagem: Pexels

A Puta

Por: Bia Latini

A Puta

É mal vista, rechaçada
Criticada, desabonada
Mas todos nós somos, sabia?
Uma puta doadora
Um puto doador
Resta saber…do quê?
Nascemos lotados de algo para doar, cambiar, pulverizar…

E que algo é este?!
Não sabemos, mas ainda o temos…

Por enquanto…

Ele pode estar esmaecendo, morrendo, doendo, enferrujado, intumescido, com dor de cabeça, de joelho,com desalinhamento na coluna, depressão, câncer de pulmão
pela falta de uso,
pelo falcete no atalho
pela incongruência, resistência, surdez, olhos vendados
pela não percepção, retenção, desconexão

Falta mesmo atenção
Leveza, espaço,
descaracterização…da Puta!
A Puta sofreu jugo, sentença
Lançada à fogueira
Reduzida a pó
Ergueu-se barreira
Sabe por quê?
Porque ela é DOADORA universal
Tipo O negativo
Foi tudo pro crivo da Moral, da libido, do bacanal
Por baixo dos subterfúgios, nos lençois freáticos de seda carmim

Há a máxima: liberdade, libertação – só para mim
A Puta recebeu censura, desonra, rechace
Puro disfarce!
Simplesmente para que deixássemos de ser…

Por Bia Latini


Créditos da imagem: Freepik

TEOREMA DA VIDA GERAL

Por: Diogo Verri Garcia

TEOREMA DA VIDA GERAL

O professor de sábado,
Que aqui se chama descanso,
Questionou a aula da vida,
Sempre tão árdua, sem frescor, sem balanço.

O mentor da sexta-feira, denominado prazer,
Lamentou por trabalhar durante o dia,
E só ter a noite para se satisfazer.

O de terça-feira, que se apresentou vaidade,
Impôs que chegaria atrasado,
Daria ordens, valeria sua vontade.

A de quinta-feira, de todos, a mais iludida,
Propôs acabar logo o dia,
Pela chegada de uma sexta-feira descompromissada e descomprometida.

A tutora de quarta, de alcunha rotina,
Reclamava da sina, era pedante, avisava-se ser também cretina:
Até a Quarta-Feira de Cinzas decidiu levar a mal,
Pois justo no seu dia terminou o carnaval.

O professor de segunda demonstrava preguiça,
Por nada se mexia, exceto por interesse, por cobiça.

O de domingo, tido no rosto como incauto e descrente,
Pensava na tola mesmice de uma semana inteira pela frente.

Mas alguém propôs uma reforma visceral,
Idealizada pela vida, sábia maestrina, coordenadora-geral.
Prometeu que a rotina seria árdua, mas bela.
Que começaria cedo o dia,
Antes mesmo de a luz do sol romper a janela.

Que em todas as horas haveria estudo, dedicação e trabalho;
Afastou a cobiça, que só pleiteava salário.
Trouxe para cátedra a fé, a virtude, a caridade,
O empenho, a organização, a honestidade.

Afirmou tempos felizes, esplendorosamente mais mansos.
Contemplou que, passados os trabalhos, maior seria o descanso.
Problematizou que tudo dependeria do esforço inicial,
Propôs que a perseverança fosse séria e real.

Sobraria tempo para viajar, para o amor perfazer.
Que o labor seria o bem-querido, também por aceder.

Porém, dali em diante, algo começou a mudar.
Nem tantos alunos mais foram às aulas, ou quiseram se matricular.
Opuseram-se à vida, recomendaram levante,
apresentaram questões, indagações, em revoltosos cantos a bradar
– e teve-se aí um novo problema.

Concluiu a vida: muitos pelo mundo se iludem,
Nem todos desejam o esforço, a correção, o trabalho, o lutar.
Talvez, como em um espelho, põem-se a escolher,
na mesma verdade que em seu intento há.
Eis, de forma real, da vida geral, o teorema…

(Diogo Verri Garcia, Rio de Janeiro, 18/08/2018)


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CON-VIVÊNCIA

Por: Bia Latini

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CON-VIVÊNCIA

Teus gestos me compõem
Teu olhar penetra em mim
Tua fala revebera e voa com o vento
Espalham-se em partículas que aderem a mucosa da minha boca,
adentram o túnel dos meus ouvidos, escorregam pela minha garganta,
infiltram-se pelas frestas das minhas cutículas : dos pés e das mãos
Deslizam sob o meu cabelo em sentido contrário e permeiam meus poros cranianos
A partilha é sacral
A escuta traz aderência, filtragem, fusão
E na fusão já não distinguo mais o que é seu
Já é nosso
Passa a me integrar de forma alter
Grata por sermos seres viventes em comunidade
Grata por você ser quem você é ressoando seu canto natural
Grata pela sua sinfonia, seu arranjo
Grata pelo meu gramofone em pleno funcionamento, que é canal de CON-VIVÊNCIA

Por Bia Latini


Créditos da imagem: Freepik

Linho com “N”

Por: Bia Latini

Linho com “N”

Eu invoco a minha chama
Reergo meu reino
Aspiro meu canto de volta
Renuncio este manto
Deixo cair
Majestade já sou, desde que nasci:
pelada, insaguentada
Placenta, ventre, útero, cordão
Bioma de proteção que rompi
Para adentrar a selva, a mata, a cantata
Minha voz se fez calar
Intimidou-se com alguns gritos
Agora, quem quer gritar sou eu
Não para assustar ou evocar insanidade
Mas para resgatar meu cetro, meu centro, meu monumento histórico primordial
Eu quero me curar do que não sou
Do Eu que caiu, se travestiu, se usou
Diafuncionalidades, arrastos, correntes, serpentes, maldades: alheias e intrínsecas
Expurgos, espetos, amuletos: de sorte, de azar
Verdades para respirar
O que falta é arrancar os fios invisíveis: um a um, pele a pele, lastro a lastro
Cansaço e não serventia…do que um dia foi…
Outono – folhas caindo
Secura, ressecamento do que um dia foi vida e hidratação
Do verde que amarelou
Do viço que virou rachadura…

Do Linho que já foi roupa e trocou o “L” pelo “N”, sendo, por ora, o que importa…
Onde tudo começou….

Por Bia Latini


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O TEMPO DA INCERTEZA RESOLUTA

Por: Diogo Verri Garcia

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O TEMPO DA INCERTEZA RESOLUTA

O coração não tem tempo.
Um tempo certo para achar seu compasso.
Um momento exato pra saber se quer ter intento,
ou desafinar-se, entrar em descaso.

O coração quer ter um tempo.
Não explicações, pois a lógica é plana
e ele não a conhece.
Se exato fosse, seria melhor que a razão,
Que se acha senhora do amor e se esfalece.

O coração quer ter certezas,
mas nunca as tem: são variáveis e expectativas.
Cruzadas, em mil situações, incertezas e besteiras.
Acredita ser, para amar,
mais capaz do que já foi em qualquer dia.

O coração se alegra,
tanto qual se corrói, em autêntica autofagia.
Acena feliz, justo para quem o apequena.
Na hora inexata,
Se exila e destrói, quando o amor lhe maltrata.
E acredita ser, para amar,
incapaz em todo e qualquer próximo dia.

O coração se encanta por destrezas.
Quanto a encontrar o amor,
espera ter a certeza instintiva.
E, de tanto esperar, possa ser que perdeu.
O momento passou, outro alguém resolveu
e a escolha certa virou só narrativa.

O coração quer ter coragem
Para falar para aquela que,
com as palavras certas, aquiesce.
O coração deveria se calar
E não agir com mais besteiras,
justo com quem não as merece.

O coração é um órgão isento.
Isento de qualquer prudência mínima de acerto.
Não se acerta nem com a razão.
Cabe a Deus carregá-lo com zelo.

(Diogo Verri Garcia, Rio, 21/10/2018).


Créditos da imagem: Freepik

VERSO TESTAMENTAL

Por: Diogo Verri Garcia

VERSO TESTAMENTAL

A quem não quer sentir saudade,
Deixo um adeus, e nada mais.
Pois mal nenhum o tempo faz
Se é boa a vontade que nos leva.

A quem não sabe o que é tristeza,
Trago o dissabor, por ameaça.
Faço findo o que é eterno,
Deixo perene o que passa.

A quem não sabe o que é o sorriso,
Entrego a luz e seco o pranto.
E ao que menospreza o paraíso,
Dou mostras de dor,
E, depois, acalanto.

A quem reclama da sorte,
Darei o ardor de uma vida.
E ao que nega o amor como norte,
uma paixão atrevida.

Que se faça a luz dentre as trevas
E que estas margeiem a luz.
Que mares e céus sejam terras,
E que as terras sejam azuis.

Seja sereno, mas firme e correto.
Conheça de tudo, mas mantenha-se em paz.
Seja humilde, mas experto.
Se apaixone, mas não por demais.

Para que valor demos nós a esta vida,
Nestes meus versos, deixo a contrariedade.
Para que no fim, na nossa saída,
Caiba a nós, por último dom, deixarmos saudade.

(Diogo Verri Garcia)


Créditos da imagem: Pexels

Quartinho do medo

Por: Bia Latini

Quartinho do medo

Desci as escadas rumo ao porão
Abri a porta do quartinho do medo
Estava decidida a esvaziá-lo por completo
Assim o fiz
Senti-me forte, potente
Segui a vida bem confidente

Esqueci do quarto…

Outro dia, senti meu peito apertar sem motivo algum aparente
Desci as escadas novamente
Fui checar o aposento
Pro meu tormento,
O quarto não estava limpo
Nem esvaziado
Alguns móveis pesados pareciam brotados

De onde saiu isso?
O quarto não estava trancado? Faxinado?

Caí, exausta no chão
Bugada de tanta incompreensão

Ao acordar, um lampejo de clareza:
A partir de agora jamais deixaria a porta trancada

Ficará sempre aberta

#encarar

Por Bia Latini


Créditos da imagem: Pexels