Um pisante lustroso
Por: Diogo Verri Garcia
Se existisse um solado no samba
Que fosse um andarilho tipo principal
Conhecedor das canções e das bandas
Bem experimentado pelo carnaval.
Que tudo sambasse e rimasse
Com sapateado fino de desinibir.
Era o sapato todo desavergonhado
Que buscou a gafieira pra se distrair.
O solado sozinho andou,
Procurou por um ponto de samba
mas não encontrou.
Caminhou bem ao largo da areia do mar.
Cuidadoso, bem cuidou para não se molhar.
O sapato que não era bobo
Esperou chover, esperou ventar.
Andejou a calçada central,
Andando em frente a faixa junto ao areal.
Ao encontro foi de outro par de pés,
Queria samba, mas cogitou até o arrasta-pé.
Arrumou-se todo elegantemente,
Sentiu-se até contente após se vestir.
Encontrou enfim uma gafieira
Tocando samba de primeira e resolveu subir.
Encantado com o salão tão vistoso,
Viu no liso e plano taco um viçoso espelho.
Eu avisei, mas não aceitava conselho:
O salão, deveras cheio, inspirava receio.
O sapato lançou-se contente,
sapateando impertinente a se exibir
Mas a sorte que era faceira
Achou a casa muito cheia e resolveu sair
O sapato levou um tostão,
Uma esbarrada, uma pisada e até um arranhão.
Tropeçou cambaleante quase por todo o lugar
A gargalhada era tanta que fez o som parar
Mas do desastre tristonho e premente
Que coube graça a tanta gente
também se corrigiu
Quando a sorte voltou no tablado
Viu o sapato alvoroçado e se compungiu.
Beliscou a sorte logo um salto fino,
Que passava alheia ao atino,
sem sequer notar.
Que olhou para o tablado finalmente com afinco
E viu o sapato em baixa estima a se lamentar.
Tanto gostou do rapaz que assistiu,
Pôs-se o elegante salto fino a se compadecer.
Caminhou até o sapato abatido,
Ali brotou o amor que o samba fez nascer.
(Diogo Verri Garcia, Rio, 21/10/2018)
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