Interceptaram o Futebol (Conto)

Por: Diogo Verri Garcia

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Era tempo de Vasco e Fluminense, válido pela decisão do principal campeonato sulamericano de futebol. O primeiro jogo, no histórico estádio das Laranjeiras, ocorrera há alguns dias, com vitória segura do Fluminense, pelo placar de 2 a 1. A partida seguinte e derradeira, realizar-se-ia em São Januário, dali a algumas semanas, a casa do Vasco da Gama.
Falamos desse primeiro confronto, de jogo foi duro, com equipes disputando centímetros do campo e desfilando a classe das bolas corretamente passadas, das matadas no peito e das jogadas divinamente invertidas, havendo espaço até para uma chilena bem executada pelo jovem jogador tricolor de vinte e poucos anos que, após recusar nova proposta da Europa e os excessivos ganhos em euros, permanecia pela quinta temporada seguida de bonito futebol pelo clube (o que, por tudo, em algo insere nosso conto na categoria ficcional).
Os esquadrões eram fartos, havendo dificuldade da audiência para identificar qualquer um que tivesse menor intimidade com a bola. A exceção era Joínho, também conhecido como Turcomenistão (teríamos dado a ele o nome de um Estado brasileiro, mas creio que poderia induzir, erroneamente, o leitor), jogador tricolor que era seguramente aplaudido quando passava a bola, quer para a linha de fundo, quer para o adversário, eis que pior – e nisso, torcedores contra e a favor concordavam – era vê-lo na posse da esférica.
Joínho (Turcomenistão), jogou apenas duas ou três partidas naquele campeonato.
A primeira, quando acertou um chute ao estilo voleio na boca do estômago do adversário, posto que errou a bola – ali, tendo sido expulso, não pela falta, em si, mas pela oportunidade de livrar-nos do mau futebol.
A segunda, em partida válida contra o Bangu, equipe que seguia bem no mesmo campeonato principal, ocasião em que o estádio experimentou dois recordes: o gol de Azimundo, do Bangu, aos três minutos, o mais rápido daquela temporada (após falha berrante de Joínho); e a substituição do próprio Joínho, aos quatro, para alívio da bancada tricolor e lamento do treinador adversário, que se viu obrigado a também queimar uma substituição, tirando de campo seu jogador mais gordo e bem pago do elenco, para inserir alguém que, enfim, jogasse bola (o que gerou sérios protestos do empresariado).
Naquela temporada, a terceira partida de Joínho durou até o segundo tempo, contra a equipe do Tirolesa do Chile, quando tropeçou na bola e desabou fortemente contra o chão, batendo a cabeça e fraturando o fêmur.
O novo treinador tricolor, que recentemente chegara, estava disposto a recuperar Joínho, devolvendo seus áureos tempos de um Turcomenistão clássico (alcunha que lhe deram devido à sua imponência nas melhores temporadas). Diziam alguns – e, nisso, também o departamento médico – que a partida do fêmur serviu para consertar a perna torta. E que a grave batida da cabeça (aqui, depositadas as maiores esperanças) teria desconectado alguma parte do cérebro responsável pelo mau jogo.
O importante era que Joínho estava curado e, nos treinamentos com bola que antecediam seu retorno, não cometera nenhuma bizarrice ou tropeço, para espanto e orgulho da mídia esportiva, das sociais das laranjeiras e dos seus próprios companheiros.
Finalmente, depois de vários meses, voltava Turcomenistão, para a primeira partida da final…
O jogo, que começara, estava intenso. Como de costume, a bola era bem distribuída no campo de relva impecável das laranjeiras. O setor sul não era ocupado, em demonstração de paz: pombas cabras brancas tomavam o local. Na ocasião, dirigente de uma equipe asiática foi barrado mesmo antes da entrada do estádio, em comum acordo entre os dois presidentes, que consideravam um descalabro receber propostas milionárias em final de jogo. Tudo transcorria da melhor maneira, em partida que, soube-se depois, superou a audiência das finais do fraco campeonato inglês.
Para os atletas, aquele dia de calor do Rio de Janeiro não ofuscava seu bom desempenho físico, fruto de comprometimento nos treinos, salários em dia e de longas noites de sono, sem festas. O futebol jogado era clássico, era bom!
E já passados mais de quarenta minutos da primeira etapa, Joínho tinha dado dois chutes de perigo contra a meta vascaína e, pasmem, ainda não havia se chocado contra a trave. A torcida tricolor ficava esperançosa e, desde os vinte e cinco, já havia parado de pedir sua substituição. A narração estava em polvorosa e o jogo entre Vasco e Fluminense era o que se assistia e sobre o que se falava nos cafés de Paris e nos bares de Barcelona.
Até que, finalmente, o momento mágico ocorreu: Joínho recebeu a bola na ponta esquerda, deu um drible de “direita canhota” – nomenclatura dada a devido à torção que causou em muitas pernas, incluindo a sua, e assim posteriormente alcunhado, em tentativas de repeti-lo pelas crianças nos colégios e nos bairros –, partiu em velocidade evitando todo tipo de marcador ou zagueiro. Não deu o passe: não, pois não precisava. Desvendou a zaga vascaína, desconcertou o melhor perseguidor e, em um intento firme, jogou a bola nas redes do Vasco da Gama, para delírio da torcida tricolor e aplausos até dos adversários, que reconheciam a plasticidade do desenvolvimento. Era ele, Joínho, o homem da partida, o garantidor da vitória de sua agremiação, que a classificava a requerer um mero empate no jogo de volta.
Nos dias seguintes, via-se o Rio de Janeiro ocupado por camisas e bandeiras do tricolor fluminense. Joínho foi recebido pelo embaixador da nação que lhe emprestava nome: o Turcomenistão: concederam-lhe cidadania, prometeram-lhe vaga na seleção nacional (incautos, como se o Brasil não o quisesse!), envolveram-no nos louros da bandeira, também verde. Foi-lhe dito que o detalhe vermelho do estandarte nacional passaria a ser grená! Era Joínho o ídolo, o mito, o novo rei! Até que…
Até que algo impensável aconteceu:
Na manhã de um sábado, um jornal publicou uma mensagem desoladora, que causou comoção, receio e desconfiança por todo o campeonato. O que ali estava escrito, repercutia mal até na mídia esportiva estrangeira. A divulgação primeira ocorreu por meio do periódico internacional “The Bombing Ball”. Era uma conversa vazada entre Joínho e um amigo próximo, em que aquele narrava minudências – até então ocultas – daquela data e, mais precisamente, do mágico momento ocorrido, no qual desfilou toda a sua técnica e habilidade.
Os jornais, incrédulos, noticiavam o fragmento mais marcante, que era composto, respectivamente, das falas do amigo e de Joínho:
– E aquela hora que você, com uma passada a mais, repentina e larga, ofuscou dois zagueiros do Vasco?
– Tropecei!
– Mas ainda evitou um carrinho?
– Quase caí!
– E o gol bem feito, de batida certeira?
– Chutei mal!
– Mas teve antes um passe seu de trinta metros, não teve?
– Quis me livrar da bola…
E após aquilo tudo, estava a verdade, desmistificada…
Passados uns dias, foram dados detalhes a mais do evento, quando se soube fruto de um ataque orquestrado contra os aplicativos de mensagens instalados nos telefones dos jogadores do Fluminense (suspeita-se do adversário zagueiro que foi driblado; ou do padeiro de ascendência portuguesa…).
Desvendadas as falas, sobre as quais recaíram severas dúvidas de autenticidade (como salientava a defesa, não dos caneludos zagueiros, mas dos bons escritórios), o sentimento tricolor tomou-se como de dissabor e de medo. Joínho defendeu-se, a zaga vascaína pediu anulação do jogo. Joínho perdeu a nacionalidade adquirida turcomena e quase foi excomungado. Ainda foram suscitadas opiniões diversas em meio a um debate acalorado que varou a semana.
Na partida seguinte, tudo voltou ao normal: Joínho, em duas jogadas sorrateiras, meteu mal o pé na bola, que se precipitou contra a rede, que, infelizmente, era tricolor. O Vasco da Gama sagrava-se campeão sulamericano, para desespero do Real Madrid.


Crédito da imagem: pixabay

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