Clássicos da Literatura: O. Henry

O Presente dos Magos
“Um dólar e oitenta e sete centavos. Isso era tudo. E sessenta centavos estavam em moedinhas de um centavo. Moedinhas economizadas, uma ou duas por vez, pechinchando com o dono do armazém ou com o verdureiro e o açougueiro, até que o homem ficava com as bochechas vermelhas diante daquela imputação silenciosa de avareza que uma negociação tão acirrada deixava implícita. Della contou três vezes. Um dólar e oitenta e sete centavos. E no dia seguinte era Natal.
Claramente não havia nada a se fazer a não ser desabar no pequeno e surrado sofá e chorar. E foi o que Della fez. O que nos leva a fazer a reflexão moral de que a vida é feita de soluços, fungadas e sorrisos, com o predomínio das fungadas.
Enquanto a dona da casa vai aos poucos passando do primeiro para o segundo estágio, dê uma olhada na casa. Um apartamento mobiliado de 8 dólares por semana. Não que para descrevê-lo fosse preciso mendigar palavras, mas decerto parecia à procura do ‘esquadrão da mendicância’.
[…]
Della terminou seu choro e deu um retoque nas faces com sua almofadinha de pó de arroz. Foi até a janela e olhou com tédio para um gato cinza, andando sobre uma cerca cinza, em um quintal de fundos cinza. No dia seguinte seria Natal, e ela tinha apenas um dólar e oitenta e sete centavos para um presente para Jim. Vinha há meses economizando cada centavo, e o resultado era esse. Vinte dólares por semana não duram muito. As despesas haviam sido maiores do que ela calculara.
[…]
Jim ficou parado junto à porta, tão imóvel quanto um cão setter sentindo o cheiro da caça. Tinha os olhos fixos em Della, e havia neles uma expressão que ela não conseguiu decifrar, e isso a deixou aterrorizada. Não era raiva, nem surpresa, nem desaprovação, nem horror, nenhum dos sentimentos para os quais ela se preparara. Ele apenas olhava fixo para ela com aquela expressão peculiar […]”.
O. Henry (pseudônimo do autor norte-americano William Sydney Porter)
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