Caneta de Carga Acabada
Por Alvaro Assis
Querida Caneta de Carga Acabada,
Nós que estivemos juntos por tantos e tantos poemas…
Lembro-me até de quando você se esquivou de escrever: obnubilado
Você tinha mesmo razão
Meter obnubilado neste coisa, não tem propósito algum
Sei que muitas e muitas vezes o frio secou sua tinta
E em vez de se esvair em azul, você queria mesmo era o conforto do estojo
Mas eu sempre lhe apresentava um bom motivo…
Como, por exemplo, uns versinhos para amada dormindo
Você bem sabe que a coisa mais bonita do mundo é ver a amada dormindo
E que a segunda coisa mais bonita é ler a ela um poeminha sob medida
Ah! Lembra-se da cerveja alvejando sua veste e eu te enxugando apressado?
Você meio mal humorada e eu só queria saber de fazer letra de samba
Que mulata quando passa quer ser matéria prima de enredo
Querida Amiga de Caligrafia Decorada
Se você fosse uma dessas chiques-douradas eu até lhe tentaria uma recarga
Porém, você é como eu, essa biczinha vulgar com data pra acabar
Mas eu, saudosista com tudo, pego-me a lembrar de tantos versos
Você apertada contra o suor de minhas mãos trêmulas de sonhos
Açoitando a folha de caderno, o guardanapo, a palma da outra mão
E não me venha escrever no celular, ou no tec-tec do computador
Era a mensagem que me vinha do seu pequeno olhinho marinho
Você é severa nesta coisa do fabrico das palavras
Ah! Querida Companheira Acrobata,
Escolher outra de sua marca seria uma traição sem categoria
Seria como cara que casa com a irmã da sua ex-mulher
Sucumbir aos caprichos de uma dessas enfeitadas
Seria dar corda à maledicência do capital
Quem sabe você não se sinta tão magoada
Se eu passar a compor com aquele lapisinho mil vezes apontado
Aquele que te esperava voltar pro estojo (esbaforida)
Só pra te ouvir contar as coisas que nós dois fazíamos
Eu e Você, Querida Caneta de Asas Quebradas.