O CANDIDATO MATUTO – Autor convidado – David Dias Fidelis
Como a arte em conjunto é muito mais forte, inauguro neste espaço, em nossa quinta-feira, o terreiro do artista. Desta vez é do companheiro David. Seja bem-vindo e que a arte sempre seja reposta! E vamos de cordel! (Thiago Amério)
Certo dia me chamaram pra ser vereador
Nem sabia que podia, eu matuto boia fria
Achei que politicagem era coisa de doutor
Sou um homem que pouco come
Só sei desenhar meu nome, nunca tive professor
“É só isso que preciso” – disse o homem do partido
Se a proposta te interessa quero ser teu assessor
Eu fiquei meio cabreiro, pedi um tempo primeiro
E fui vendo que o acordo parecia tentador
Encuquei numa questão, nunca gostei de eleição
Sou ruim na dicção e de palanque tenho pavor
O assessor bem prestativo começou tratar comigo
Me chamava de amigo e tudo era por favor
Nunca vi mais educado, homem é bicho danado
Quando quer alguma coisa todo mundo vira ator
Na reunião do partido antes da candidatura
O povo soltando fogos, caixa com som nas alturas
Fiz um único pedido
Não quero meu nome metido com nenhuma falcatrua
Pode ficar sossegado o homem apertou minha mão
Você vai mudar a história do povo dessa nação
Eu logo me enchi de orgulho
Mal poderia esperar o resultado dessa eleição
Assim que começou a corrida eleitoral
Eu fiquei meio acanhado, tudo novo, é natural
Mas logo peguei o jeito com meu santinho no peito
Tinha até frase de efeito “Pra tudo ficar perfeito, vote 30130 vereador Juvenal”
Lá pro final da campanha eu já tava querendo festa
Tomei gosto pela coisa, nunca fiz tanta promessa
Se ia cumprir não sabia, era o voto que eu queria
Quanto maior a família maior era minha remessa
No dia da apuração todo mundo muito nervoso
Roendo as unhas da mão quase que cheguei no osso
Eu não entendia nada, vendo os números na tela
Esperei o assessor me dar o resultado dela
Foi a grande comoção no final daquele dia
Acabou a apuração venceu a democracia
Com o sorriso no rosto o assessor anunciou
Fui eleito pelo povo, Juvenal vereador
Achei foi muita moleza essa história de legislar
O partido me indicava e eu só ia lá votar
Era tudo sim ou não
No fim do mês um montão de dinheiro pra eu gastar
O soldo era 9 mil só que entrava mais de cinquenta
O assessor disse:
“não esquenta, isso aí não é dilema, quem pariu mateus que embale
Se entrou mais que o combinado já não é nosso problema”
A verdade é que o problema só apareceu depois
Acusaram esse matuto de crime de caixa dois
Nem caixa um eu conhecia quanto mais sua companhia
Me expliquei pro delegado mas de nada me servia
O delegado pelo jeito não era bom da cuca
Tinha uma mania estranha de chamar o povo de fruta
Disse que eu era o laranja, chamei ele de banana só pra não contrariar
Antes mesmo de terminar levei um tapa na nuca
Apanhei feito um cachorro por causa do desacato
Era soco de cima embaixo e chute de tudo que é lado
Disse: “Eu fui vereador!!”
Aí que desandou, bateram com mais vigor pois tinha acabado o mandato
Me jogaram num quadrado iluminado a luz de vela
Um frio de congelar baba, a sede secando a guela
Pensei em ser deputado mas vou ficar sossegado
Prefiro fazer cordel sentado na minha cela.